Perspectiva de gênero e a obrigatoriedade de todo o judiciário sentenciar processos judiciais observando esse primado.

Perspectiva de gênero e a obrigatoriedade de julgamento de processos pelo judiciário.

Figueiredo Coutinho Advogados

Para entender os temas que ora serão tratados – PERSPECTIVA DE GÊNERO e OBRIGATORIEDADE DE JULGAMENTO DE PROCESSOS PELO JUDICIÁRIO SOB A ÓTICA DA PERSPECTIVA DE GÊNERO -, faz-se necessário conhecer alguns conceitos.

1) GÊNERO: é fruto de uma construção sociocultural, podendo, ou não, corresponder ao sexo do indivíduo. É a totalidade formada pelo corpo, pelo intelecto, pela emoção, pelo caráter do EU, que entra em relação com o outro.

Lembramos que embora o conceito de gênero tenha adquirido força e destaque enquanto instrumento de análise das condições das mulheres, ele não deve ser utilizado como sinônimo de “mulher”. O conceito é usado tanto para distinguir e descrever as categorias mulher e homem, como para examinar as relações estabelecidas entre elas e eles.

Todavia, como historicamente sempre foram as mulheres a sofrerem subjugações e discriminações de toda ordem, ao se falar em PERSPECTIVA DE GÊNERO, automaticamente, se vincula essa ferramenta às mulheres.

2) PERSPECTIVA DE GÊNERO: significa reconhecer que existe uma desigualdade social, cultural, histórica e regional entre mulheres e homens, expressada pela existência de hierarquias sociais estruturais, tendo como principal marcador a identidade de gênero e sexualidade, que refletem numa relação de poder e em um sistema de opressão a que as “mulheres” sempre estiveram sujeitas.

3) A IMPORTÂNCIA da PERSPECTIVA DE GÊNERO: na construção de uma sociedade mais justa, a perspectiva de gênero permite melhorar a vida das pessoas, referindo-se a uma metodologia e aos mecanismos que permitem identificar, questionar e avaliar a discriminação, desigualdade e exclusão da mulher, bem como as ações que devem ser realizadas para atuar sobre os fatores de gênero e criar as condições de mudança que permitam avançar na construção da igualdade de gênero.

Desde a promulgação da Constituição em 1988 mantém-se em nossa sociedade discussões sobre a igualdade entre homens e mulheres. Todavia, os instrumentos de política pública e judiciária ainda precisavam ser aprimorados, para dar-lhes maior efetividade. Em 2021, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), propôs o PROTOCOLO PARA JULGAMENTO COM PERSPECTIVA DE GÊNERO.

Era preciso mais. Em importante avanço, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 14 de MARÇO DE 2023, aprovou a Resolução 492, tornando obrigatória a adoção do mencionado PROTOCOLO para todo o Poder Judiciário.
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4) E O SIGNIFICA JULGAR PROCESSOS JUDICIAIS SOB A ÓTICA DA PERSPECTIVA DE GÊNERO?

Julgar com perspectiva de gênero, significa adotar uma postura ativa de reconhecimento das desigualdades históricas, sociais, políticas, econômicas e culturais a que as mulheres estão e estiveram sujeitas desde a estruturação do Estado, DEVENDO OS JUÍZES fazer do processo um mecanismo de combate à opressão contra a mulher.

5) Como o JUIZ deve julgar o PROCESSO com perspectiva de gênero?

a) conhecer os conceitos de estereótipos de gênero, e categorias de machismo e sexismo, e sua influência na produção do direito (produção das leis e aplicação do direito). Dar mais atenção às minudências e circunstâncias do fato criminoso, praticando uma escuta mais qualificada em relação aos sujeitos do processo;

b) utilizar a jurisprudência nacional e internacional relacionada a gênero, orientação sexual e identidade de gênero. Adquirir maior conhecimento, amplo e profundo, das características especiais que envolvem a violência doméstica e familiar contra a mulher, de forma a demonstrar percepção dos efeitos desse tipo de violência em relação aos demais membros da família, principalmente aos filhos;

c) utilizar ferramentas metodológicas que permitam o exercício da jurisdição com uma perspectiva de gênero, capaz de proteger os direitos das mulheres, mulheres negras, indígenas e população LGBTQIA+. Enfim, não se permitir ser ator e reprodutor (seja magistrado ou magistrada) de uma cultura que permanece enredando a mulher em papéis que as diminui, discrimina e violenta.

No dia 2 de maio de 2022, ou seja, antes mesmo de ter sido publicada a Resolução 492/CNJ (que somente se deu, repita-se, em março de 2023), tendo por base o PROTOCOLO aqui tratado, a 6ª turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) aprovou a aplicação de medidas protetivas requeridas por uma mulher trans contra seu pai, estendendo a interpretação da Lei Maria da Penha. Acentuou o Tribunal:

“Gênero é questão cultural, social, significa interações entre homens e mulheres; enquanto sexo se refere às características biológicas dos aparelhos reprodutores feminino e masculino. Ou seja, conceito de sexo não define a identidade de gênero”, citou o relator do caso, ministro Rogério Schietti, em seu voto. “O objetivo da Lei Maria da Penha é punir, prevenir e erradicar a violência doméstica e familiar em virtude do gênero e não por razão do sexo.”

Já em maio de 2023, ou seja, apenas dois meses de publicada a RESOLUÇÃO 492/CNJ, que obrigou todo o Judiciário a proferir suas sentenças observando a PERSPECTIVA DE GÊNERO, o CNJ registrou pela primeira vez o uso da Resolução 492 como fundamentação de uma sentença judicial. No caso, o juiz substituto Marcos Scalercio, do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (Grande São Paulo e interior paulista), foi condenado à aposentadoria compulsória por causa de uma série de denúncias de assédio e violência sexual contra advogadas e servidoras.

Rogério Coutinho
OAB/MG n.º 86.109

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